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Marco Normativo da micro e minigeração distribuídas

By agosto 27, 2021No Comments

Em 18/08/2021, a Câmara dos Deputados finalmente aprovou o substitutivo ao Projeto de Lei nº 5.829/2019 (“PL nº 5.829/2019”), que irá definir o marco legal da micro e minigeração distribuída no Brasil.

Atualmente, a matéria encontra amparo tão somente na regulação da ANEEL, por meio da Resolução ANEEL nº 482/2012 e suas alterações (“REN nº 482/2012”), e do Submódulo 3.7 dos Procedimentos de Distribuição de Energia Elétrica no Sistema Elétrico Nacional (“PRODIST”).

Diante da aproximação de aprovação do PL nº 5.829/2019 pelo Senado Federal e posterior sanção presidencial, busca-se adiante destacar as principais mudanças que resultarão da aprovação dessa proposta legislativa.

  • Sistema de Compensação de Energia Elétrica (“SCEE”)

De acordo com a regulamentação atual, a energia gerada pela unidade consumidora com micro ou minigeração é integralmente compensada no âmbito do SCEE com base no valor integral da tarifa de energia cobrada pela distribuidora, independentemente do porte do empreendimento (que deve observar o limite de 5MW) e da modalidade de geração, isto é, se junto à carga ou remota, ou se individual ou compartilhada.

Ou seja, o valor da energia gerada e compensada não considera os custos e componentes tarifários da Tarifa de Energia (“TE”) e nem os da Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (“TUSD”), que remunera a prestação do serviço de disponibilização, manutenção e operação da infraestrutura. A TUSD é a parcela correspondente ao “fio”, englobando as parcelas fio A e fio B e outros componentes, como encargos e perdas.

O  PL nº 5.829/2019 propõe a manutenção do regime jurídico atual até 31/12/2045 para os projetos de micro ou minigeração já conectados ou cuja solicitação de acesso ocorra em até 12 meses após a publicação da lei.

No caso dos últimos, o PL nº 5.829/2019 estabelece a necessidade de cumprimento dos seguintes prazos para o início da injeção de energia, contados da data de emissão do parecer de acesso: (i) 120 dias para microgeradores, independentemente da fonte; (ii) 12 meses para minigeradores de fonte solar; ou (iii) 30 meses para minigeradores das demais fontes. A contagem desses prazos ficará suspensa em caso de pendências de responsabilidade da distribuidora ou na ocorrência de caso fortuito ou força maior.

A perda do atual regime ocorreria somente em caso de (i) encerramento da relação contratual com a distribuidora, exceto no caso de troca de titularidade, hipótese na qual o regime continuaria aplicável ao novo titular; (ii) irregularidade no sistema de medição ou (iii) solicitação de aumento da potência instalada ocorrida 12 meses após a publicação da lei, sendo essa perda aplicável apenas à parcela adicional à potência já instalada.

Para as unidades consumidoras que solicitarem o acesso depois de 12 meses da publicação da lei e classificadas como: (i) micro ou minigeração local; (ii) geração compartilhada; (iii) múltiplas unidades consumidoras; (iv) geração a partir de fontes despacháveis; (v) geração não intermitente e (vi) autoconsumo remoto limitado a até 500 kW de potência instalada, a parcela fio B da TUSD[1] passa a ser custeada da seguinte forma:


 Percentual de custeio da parcela fio B da TUSD
A partir de 202315%
A partir de 202430%
A partir de 202545%
A partir de 202660%
A partir de 202775%
A partir de 202890%
De 2029 em diante100%

Essa regra não se aplica para os projetos: (i) de autoconsumo remoto não despachável, acima de 500 kW e (ii) de geração compartilhada, em que um único titular detenha 25% ou mais da participação do excedente de energia elétrica. Para esses casos, até 2028 deverá ser paga 100% da parcela fio B, 40% da fio A[2] e os encargos TFSEE, P&D e EE.

A partir de 2029, passa a ser devido o pagamento de todas as componentes tarifárias não associadas ao custo da energia, isto é, as parcelas fio B e fio A. No entanto, deverão ser abatidos todos os benefícios proporcionados por tais projetos ao sistema elétrico, conforme regra a ser estabelecida pela ANEEL no prazo de até 18 meses da data de publicação da lei[3].

O PL nº 5.829/2019 estabelece tratamento diferenciado aos projetos cuja solicitação de acesso ocorrer entre o 13º e 18º mês da data de publicação da lei, para os quais o pagamento de todas as componentes tarifárias não associadas ao custo da energia passa a ser devido somente a partir de 2031.

Na tabela adiante resume-se as regras previstas no PL nº 5.829/2019, conforme modalidade de geração distribuída, se oriunda de fonte despachável ou não e conforme a data de conexão ou solicitação de acesso à distribuidora.


  • Outras inovações trazidas pelo PL nº 5.829/2019
  • Alteração dos limites de potência para minigeração distribuída

Propõe-se a alteração do limite de potência para os projetos de minigeração distribuída oriundos de fontes não despacháveis, que passa a ser de 3 MW. Em relação aos projetos oriundos de fontes despacháveis (hidrelétricas, incluindo fio d’água que possuam viabilidade de controle variável de geração; cogeração qualificada; biomassa e biogás), o limite de potência permanece em 5 MW. Embora as usinas fotovoltaicas com baterias com capacidade de modulação da geração mínima de 20% da capacidade de geração mensal também sejam definidas como despacháveis, nesse caso, o limite de potência é restrito a 3 MW.

  • Novos modelos de negócio para a geração compartilhada

O PL nº 5.829/2019 também prevê a possibilidade de a geração compartilhada passar a ser desempenhada mediante condomínio civil voluntário ou edilício, ou qualquer outra forma de associação civil, sendo também autorizada a transferência de titularidade de contas das unidades consumidoras para tais instituições.

  • Possibilidade de comercialização de excedentes

Uma das grandes inovações trazidas pelo PL nº 5.829/2019 é a possibilidade de comercialização dos excedentes de energia elétrica por microgeradores e minigeradores às distribuidoras e permissionárias, por meio de chamadas públicas, a ser regulamentado pela ANEEL.

  • Parecer de acesso e transferência de titularidade da unidade com micro ou minigeração

O PL nº 5.829/2019 expressamente vedou a comercialização de pareceres de acesso. No entanto, é admíssivel a transferência da titularidade ou controle societário do titular da unidade de micro ou minigeração após a solicitação de vistoria do ponto de conexão para a distribuidora, sendo assegurada a destinação de créditos de energia às unidades consumidoras beneficiárias a partir do primeiro ciclo de faturamento subsequente ao do pedido.

  • Enquadramento na micro e minigeração como produção elétrica para consumo próprio

Embora na atualidade os estados isentem o ICMS sobre a energia elétrica consumida no âmbito do SCEE, como regra, referido benefício alcança apenas a modalidade de autoconsumo remoto e se restringe a projetos de até 1 MW. O PL nº 5.829/2019 passou a definir os projetos de micro e minigeração como produção elétrica para consumo próprio, o que pode reforçar a tese de defesa de não incidência do ICMS para quaisquer projetos, independentemente da modalidade e potência.

  • Faturamento da demanda contratada de centrais do grupo A com base na TUSDg

O PL nº 5.829/2019 altera a forma de cobrança da demanda contratada de centrais geradoras do grupo A, que passam a ser faturadas com base na TUSDg, aplicada à empreendimentos de geração. Pela regra atual, tais empreendimentos são faturados pela TUSD de consumo (TUSDc), cujo valor é superior ao da TUSDg.

Em relação aos empreendimentos já existentes ou que entrarem em operação em até 12 (meses), o pagamento da TUSDg passa a ser devido somente após a revisão tarifária da distribuidora.

  • Garantia de fiel cumprimento para obtenção do parecer de acesso

Para projetos de minigeração distribuída, a obtenção do parecer de acesso fica condicionada à apresentação de garantia de fiel cumprimento no montante de 2,5% do valor do investimento para projetos com potência instalada superior a 500 kW e inferior a 1 MW e de 5% para projetos com potência instalada maior ou superior a 1 MW, exceto para cooperativas, consórcios e empreendimentos de múltiplas unidades consumidoras. Para os projetos que obtiveram o parecer de acesso até a data de publicação da lei mas ainda estiverem aguardando a conexão, estipula-se o prazo de 90 dias para a apresentação da garantia (exceto se dentro deste prazo houver a celebração do CUSD). A desistência do projeto depois de 90 dias da emissão do parecer de acesso implicará na execução da garantia de fiel cumprimento.

  • Prorrogação do prazo para conclusão das obras previstas no parecer de acesso

O prazo previsto no parecer de acesso para conclusão das obras de melhoria e reforços na rede poderá ser prorrogado pela distribuidora, desde que comprovada a evolução do licenciamento ambiental ou das obras de implantação da usina, mediante comunicação do acessante à distribuidora, com a consequente postergação do início da vigência do CUSD.

  • Desmembramento de centrais geradoras

O atual regime jurídico previsto na REN nº 482/2012 não estabelece critérios objetivos para a interpretação da regra de vedação à divisão de central geradora para fins de enquadramento nos limites de micro ou minigeração distribuída, o que faz com que cada distribuidora aplique seu próprio critério. Nesse aspecto, o PL nº 5.829/2019 apenas manteve a vedação à divisão de central geradora em unidades de menor porte para fins de enquadramento nos limites de potência para micro ou minigeração, sem estabelecer critérios objetivos que caracterizem referida divisão.

  • Redução para 30 dias do prazo aplicável para alteração e/ou realocação dos percentuais de utilização dos créditos de energia pela distribuidora

Atualmente, o prazo estabelecido à distribuidora para atendimento da solicitação de alteração dos percentuais de utilização dos créditos de energia gerados pelo titular da unidade consumidora é de 60 dias da data desejada para a implementação da referida alteração. O PL nº 5.829/2012 o reduziu para 30 dias, contados da solicitação.

  • Faturamento como B optante

O PL nº 5.829/2019 permite que unidades consumidoras do grupo A com micro ou minigeração local, cuja potência nominal dos transformadores seja igual ou inferior a uma vez e meia do limite permitido para ligação de consumidores do Grupo B, possam optar por faturamento idêntico às unidades conectadas em baixa tensão.

  • Benefícios fiscais aplicáveis aos projetos de minigeração distribuída

Os projetos de minigeração distribuída passam a ser enquadrados como de infraestrutura, sendo elegíveis para fruição do Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da Infraestrutura (REIDI), da tributação diferenciada na emissão de debêntures e sobre os rendimentos decorrentes de (i) Fundo de Investimento em Participações em Infraestrutura (FIP-IE) e (ii) Fundo de Investimento em Participação na Produção Econômica Intensiva em Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (FIP-PD&I).

  • Programa de Energia Renovável Social

É proposta a instituição do Programa de Energia Renovável Social destinado a investimentos na instalação de sistemas fotovoltaicos e de outras fontes renováveis, para geração local ou remota compartilhada, para consumidores da subclasse residencial de baixa renda.


[1]A parcela fio B da TUSD é composta pelas componentes tarifárias relativas à remuneração dos ativos do serviço de distribuição, à quota de reintegração regulatória (depreciação) dos ativos de distribuição e ao custo de operação e manutenção do serviço de distribuição.

[2] A parcela fio A da TUSD é composta pelas componentes tarifárias relativas ao uso dos sistemas de transmissão e dos transformadores de potência (com tensão inferior a 230 kV) da Rede Básica e das Demais Instalações de Transmissão (DIT) compartilhadas, ao uso dos sistemas de distribuição de outras distribuidoras e à conexão às instalações de transmissão ou de distribuição.

[3] De acordo com o PL nº 5829/2019, competirá ao Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), ouvidos a sociedade, as associações e entidades representativas, as empresas e os agentes do setor elétrico, estabelecer as diretrizes para valoração dos custos e dos benefícios da microgeração e minigeração distribuída, no prazo de até 6 meses contados da publicação da lei. O CNPE deverá considerar todos os benefícios, incluídos os locacionais da microgeração e minigeração distribuída ao sistema elétrico, compreendendo as componentes de geração, perdas elétricas, transmissão e distribuição (cf. art. 17, §§ 2º e 3º).

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